quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Resposta CFP Mapeamento Cerebral


Resposta CFP Mapeamento Cerebral

O mapeamento mental é um avanço científico.Retrocesso é acreditar no funcionamento unidirecional

Resposta à nota jornalística "Mapeamento Cerebral é um Retrocesso" veiculada no Jornal do Conselho Federal de Psicologia edição maio de 2008.


Resposta à nota jornalística "Mapeamento cerebral é um retrocesso" veiculada no
Jornal do Conselho Federal de Psicologia edição maio de 2008.

Poucas vezes nós pesquisadores ficamos animados em escrever em jornais ou
revistas de categorias profissionais, pela crença errônea de estarmos desperdiçando
tempo ao invés de empregá-lo na elaboração de manuscritos científicos. O resultado de
tal atitude não podia ser mais desastroso: a disseminação de informação incorreta
consumida justamente por milhares de psicólogos registrados no CFP ávidos por
manter-se bem atualizados. O recente exemplo desta situação constitui a nota
jornalística intitulada "Mapeamento cerebral é um retrocesso" e publicada no jornal do
CFP na edição de maio de 2008.
Nela, encontra-se toda sorte de deslizes argumentativos, desde os que ressaltam
o que não é dito pela academia científica ("utilizar termos como 'psicopata',
'sociopata', 'mentes criminosas', para se referir a todos os adolescentes autores de
atos infracionais é, do ponto de vista teórico e legal, inadequado") até os que disfarçam
um questionamento político ("Na atualidade, abusos perpetrados nas relações de poder
não estão banidos").
A preocupação social e científica no Brasil sobre a criminalidade encontra seu
fundamento empírico em diversos dados, como os veiculados pelo ICPS (International
Centre for Prison Studies) da King's College London, um dos centros universitários
mais respeitados no mundo. Segundo informações do ICPS
[www.kcl.ac.uk/schools/law/research/icps], o Brasil apresenta uma taxa de prisões na
ordem de 220:100.000 habitantes. É a segunda mais alta na América do Sul. Na Europa,
a taxa mais alta é a da Espanha (156) e, no mundo todo, o trono pertence aos EUA
(762). Obviamente essas taxas estão sujeitas ao índice de precisão dos registros, à
eficiência policial, ao respaldo jurídico, à democracia do país, etc. Entretanto, é
especialmente interessante observar que a associação entre o nível econômico dos
contextos sociais e o índice de criminalidade é praticamente nula. Podemos citar, por
exemplo, o estudo de Beato (1998), efetuado em Minas Gerais. O autor encontrou que
pobreza relativa e pobreza absoluta explicam, respectivamente, uma variância da ordem
de 0,0139 e de 0,0266 nos índices de criminalidade. Ou seja, os fatores sócioeconômicos
apresentam um valor preditivo de quase zero.
Portanto, a crença de que as condições sociais do país ou da família são
poderosos fatores que determinam a criminalidade, especialmente a violenta,
provavelmente não é correta. Sem dúvida, são fatores adjacentes, porém menos
importantes na hora de explicar porque há diferenças individuais no comportamento de
acatar as normas básicas de cidadania. É hora então de olhar as informações produzidas
pela academia.
Existe evidência procedente dos estudos da genética comportamental de que
existe um grau de influência genética na conduta anti-social (Waldman & Rhee, 2006;
Rhee & Waldman, 2002; Lykken, 1995). Obviamente, esses fatores genéticos não se
expressam no vazio e se relacionam de forma complexa com o entorno onde residem as
pessoas. O trabalho de Caspi, McClay, Moffitt, Mill, Martin, Craig, Taylo e Poulton
(2002), publicado na prestigiosa revista Science, abriu, há seis anos, uma via
promissora de investigação sobre a relação entre genes e comportamento. Estudaram a
influência das diferenças individuais em um polimorfismo funcional do gene promotor
da MAOA (a enzima encarregada de degradar diferentes neurotransmissores) e sua
influência no comportamento anti-social de pessoas vítimas de maus-tratos na infância.
Os autores sugerem que os maus-tratos na infância predispõem mais intensamente à
violência adulta aquelas crianças cujo nível de MAOA é insuficiente para controlar as
mudanças induzidas pelos maus-tratos nos sistemas de neurotransmissão. Nesse
sentido, os autores levantaram o genótipo desse polimorfismo nos participantes do
Estudo Multidisciplinar sobre Saúde e Desenvolvimento de Dunedin. Trata-se de uma
investigação longitudinal sobre saúde, desenvolvimento e conduta, em uma coorte
completa de indivíduos nascidos entre abril de 1972 e março de 1973, na cidade de
Dunedin, Nova Zelândia. A amostra foi composta por 1.037 pessoas, avaliadas aos três,
cinco, sete, nove, onze, treze, quinze, dezoito e vinte e seis anos de idade. Entre os três
e os onze anos, 8% dos sujeitos experimentaram maus-tratos graves, 28% maus-tratos
prováveis, e 64% não foram submetidos a maus-tratos. Aos vinte e seis anos, avaliou-se
a ocorrência de comportamento anti-social via diagnóstico de problemas de conduta,
registros policiais e diagnóstico de TAP (Transtorno Anti-social da Personalidade). Os
autores encontraram que o efeito de maus-tratos na infância no comportamento antisocial
era significativamente mais fraco entre os participantes com alta atividade de
MAOA do que naqueles com uma baixa atividade dessa enzima. Esse resultado se
repetia para as diferentes medidas da conduta anti-social. Os participantes com baixa
atividade de MAOA, e que sofreram maus-tratos, eram 12% da amostra, mas
respondiam por 44% das prisões relacionadas a delitos violentos. E 85% dos
participantes nessa situação desenvolveram algum tipo de comportamento anti-social.
A relação entre elementos ambientais, como maus-tratos, e o comportamento
anti-social estava, portanto, mediada por uma diferença genética. Obviamente a relação
entre genes e conduta não é direta e o ponto em que provavelmente convergem as
influências ambientais e genéticas é o cérebro humano.
Entretanto, os pesquisadores não esperam que a relação entre cérebro e conduta
seja simples. Tampouco esperam que os diferentes aspectos cognitivos ou emocionais
se localizem em regiões delimitadas e que funcionem de forma isolada. Espera-se mais
que o comportamento humano em nível cerebral responda à atividade de múltiplas
regiões que trabalham de forma interativa (Kandel, Schwartz & Jessell, 2000).
Nesse sentido, as técnicas de neuroimagen têm permitido o estudo da estrutura e
do funcionamento de cérebros vivos e sãos, aprofundando enormemente o estudo da
relação cérebro-comportamento. E os comportamentos que são objeto de investigação
nesse campo constituem a conduta anti-social violenta e a psicopatia. Antes de ingressar
na revisão dos estudos de neuroimagen nesse campo, é importante esclarecer ambos os
conceitos.
É fato constatado pelos autores clássicos da psicopatologia moderna que existem
pessoas incapazes de ajustar-se às normas sociais. Essas pessoas têm um estilo de vida
anti-social e fazem sofrer àqueles que lhes rodeiam. Atualmente convivem duas visões
parcialmente diferentes dessas personalidades anti-sociais. O Transtorno Anti-social da
Personalidade (TAP) é definido pelo DSM-IV-TR como um "padrão estável de
desprezo e de violação aos direitos dos outros". Esse padrão está caracterizado por
condutas anti-sociais, como o delito, a mentira, a irritabilidade, a irresponsabilidade ou a
despreocupação pela segurança das outras pessoas. Junto com essa visão, co-existe o
conceito de psicopatia. A psicopatia é um grave transtorno de personalidade que se
caracteriza pela frialdade emocional e pelo fracasso reiterado no momento de ajustar-se
às normas sociais. Sua definição atual são os 20 pontos que avalia o Psychopathy
Checklist-Revised (PCL-R, Hare 2003). Tal instrumento se completa através de uma
entrevista estruturada com o avaliando e mediante a análise da documentação
disponível. Essas duas fontes de informação permitem assinalar uma pontuação em cada
um dos vinte pontos que inclui o PCL-R, e determinar se trata-se ou não de um
indivíduo psicopata. Existe ampla evidência fatorial, inclusive no Brasil conforme nosso
próprio estudo apontou (Flores-Mendoza, Alvarenga, Herrero & Abad, 2008), de que o
PCL-R avalia duas dimensões relacionadas: um fator de pobreza emocional e outro de
estilo de vida anti-social. A pobreza emocional não está contemplada no diagnóstico de
TAP, e constitui uma contribuição significativa do conceito de psicopatía. As pessoas
definidas pelo PCL-R tendem a mostrar-se frias e superficiais, mentem de forma a
conseguir seus objetivos, carecem de empatia, entediam-se com facilidade e tendem a
possuir uma visão grandiosa de si mesmos. Seu estilo de vida é parasitário, sem
objetivos realistas em longo prazo e não assumem a responsabilidade por seus atos.
No presente, existe uma grande quantidade de dados experimentais e de
associação que apóiam a validade do conceito de psicopatia. Na população
penitenciária, sua prevalência oscila entre 15 e 25%. Isso nos indica, portanto, que a
maioria dos delinqüentes não é psicopata. E quando os delinqüentes são psicopatas,
observamos que existe uma relação significativa entre o nível de psicopatia e um
número maior de sanções disciplinárias na prisão, menor idade no primeiro ingresso,
maior número e variedade de delitos, maior probabilidade de reincidência violenta e não
violenta, maior probabilidade de apresentar um transtorno por dependência de
substâncias, e maior risco de auto-lesão e suicídio. A psicopatia não é, portanto, um
conceito desprovido de realidade psico-social.
Especificamente, no que se refere à delinqüência e estudos de neuroimagen,
encontramos alguns estudos que utilizaram participantes autores de delitos violentos
(sem entrar em questões de personalidade), assim como estudos que empregaram
participantes diagnosticados como psicopatas pelo PCL-R. Os resultados apontam perfis
diferenciados em ambos os grupos. De forma consistente, encontra-se níveis menores de
atividade pré-frontal em delinqüentes violentos frente aos de controle. Por exemplo,
Raine, Buchsbaum e LaCasse (2007) encontraram menor atividade pré-frontal em 41
assassinos frente a 41 controles equivalentes em idade e sexo. Em contraste, os
trabalhos realizados especificamente com psicopatas, avaliados mediante o PCL-R,
encontraram o resultado oposto. Os psicopatas, comparados aos de controle, mostraram
maior atividade frontal (Raine & Yang, 2006). E, em nível estrutural, alguns trabalhos
encontraram uma relação negativa entre volume de substância cinzenta pré-frontal e
nível de psicopatia (Yang et al., 2005). Já os trabalhos que estudaram a atividade do
córtex temporal em delinqüentes violentos indicam uma menor atividade nessa área,
embora quase sempre associada com hipoatividade frontal. Entretanto, essa região
cortical não parece estar associada com a psicopatia.
Também se têm observado diferenças em nível subcortical. Amígdala e
hipocampo parecem ter menor atividade em delinqüentes violentos (Soderstrom,
Tullberg, Wikkelso, Ekholm & Forsman, 2000; Raine et al., 1997; Critchley, Simmons,
Daly, Russell, Amelsvoort & Robertson, 2000). No caso da psicopatia, os resultados são
contraditórios, de forma que alguns estudos encontram em grupos de psicopatas menor
atividade na amígdala e hipocampo (Kiehl et al., 2001), outros maior atividade
(Schneider et al., 2000) e ainda outros encontram uma relação nula (Soderstrom et. al.
2002). Ao menos um estudo com psicopatas encontrou uma estrutura anômala no corpo
caloso (Raine et al., 2003).
Existe, portanto, evidência científica de anomalias cerebrais em psicopatas e em
grupos mais amplos de delinqüentes violentos. Isso não quer dizer que devemos
levantar conclusões reducionistas. A constatação empírica dessas anomalias não
significa que elas constituem a única causa do comportamento anti-social grave, nem
que todas as pessoas portadoras sejam irrecuperáveis para a sociedade. Sabemos de há
muito que o desenvolvimento do cérebro humano pode melhorar mediante nutrição e
ambiente adequados; e que a atividade do cérebro adulto pode modificar-se mediante o
uso da psicofarmacologia, da experiência e do treinamento de habilidades. Mas, antes
de pensar em intervenções cegas, precisamos identificar em que medida a psicopatia se
expressa em nível de funcionamento cerebral e de que forma variáveis como idade,
sexo, educação formal interagem para sua alteração. Sendo assim, concluímos ser um
erro o de ignorar a evidência empírica mostrada pelos estudos científicos, acreditandose
que as pessoas são meras tábulas rasas em que o ambiente imprime o que quer; é um
retrocesso desprezar o avanço tecnológico nas investigações comportamentais e é uma
atitude prejudicial ao trabalho dos psicólogos ignorar as contribuições da neurociência à
explicação de um problema tão grave como é o comportamento anti-social.

Referências


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Dra. Carmen Flores-Mendoza [Universidade Federal de Minas Gerais]
Ms. Marco Antonio Silva Alvarenga [Universidade Federal de Minas Gerais]
Dr. Oscar Herrero [Universidad Autónoma de Madrid]
http://www.fafich.ufmg.br/ladi/node/48
Da UFMG
Nota elaborada pela CNDH a partir do conteúdo da carta acima citada, encaminhada ao CFP
http://www.fafich.ufmg.br/ladi/node/50